DOCENTE: MARLUCE VIEIRA
DISCENTES: ALESSANDRA MACHADO
E ELAEYDE FREITAS
O poeta é um artista que molda sua arte com cuidado, desabafo, alegria e tristeza, pois, esta é única e precisa expressar o que sente a sua alma. E é assim que introduzimos o blog sobre José Régio, e aqui usamos das mesmas palavras. Acrescentando, porém, que a arte a ser moldada é aquilo que move o íntimo do autor a escrever, ou seja, seus conflitos, suas dores, etc.
Este ensaio pretende nesta perspectiva, analisar Jose Régio, autor "diverso e uno", com o seu objeto de escrita, sendo assim, aquilo que o leva a escrever, o seu desabafo, o seu tema principal.
José Maria dos Reis Pereira, pseudônimo José Régio foi escritor português, natural de Vila do Conde, e teve sua trajetória de vida artística e literária pautada a várias dimensões, sendo: poeta, dramaturgo, romancista, contista, ensaísta, pensador, pintor, colecionador, entre outros, que o fez ser tão plural em sua essencialidade.
Em descrição feita por João Marques, José Régio era:
“De corretas e agradáveis proporções físicas, [...] era de baixa estatura, franzino, frágil e hipersensível, de temperamento apreensivo e receoso, de feitio afável, mas complicado”. “Queria-se literato sem partido e escritor verdadeiramente independente. Sabia escutar, era franco, leal, corajoso e sereno. Acolhia os jovens, mas recusava adulá-los. Detestava a demagogia. Foi em grande parte impopular devido à sua originalidade autêntica.” (MARQUES in PINTO e PINTO, 1985, p. 2)
Percebe-se na fala acima, um homem múltiplo e complexo, caracterizando a sensibilidade, as inquietações, sinceridade, intensidade e originalidade necessárias a um verdadeiro poeta, ainda mais este, que teve sua completude artística relacionada a tantas áreas da literatura e da arte. Partindo dessa premissa sobre José Régio, é necessário salientar que todas estas características mencionadas por João Marques sobre o autor, estão refletidas em suas obras, principalmente o desejo pela sua “independência”, coragem e “originalidade autêntica” que gerou o ‘tema central de sua obra”: “O problema religioso” (PINTO e PINTO, 1985, p. 3).
Como diz os autores Maria Manuela Gomes e Antônio Ventura em seu artigo: Crer não crendo: religião e religiosidade:
Descobrir nas incursões poéticas e ficcionistas de um autor a riqueza da sua personalidade, seu talento criador e as suas inquietações e “encruzilhadas” de vida é sempre uma tarefa em permanente (re) construção, um processo de descoberta em que o objeto em análise vai se revelando em toda a sua riqueza e plenitude, mas sempre correspondendo as questões e anseios de cada um dos sujeitos “cognocêntricos”, muitas vezes participantes activos do percurso biográfico e/ou intelectual do autor, que dessa forma contribuem para o aprofundamento do conhecimento nas suas diversas facetas. (1985, p. 2)
Com isso, entende-se que conhecer o autor e sua obra é uma tarefa árdua e sempre incompleta, pois, depende da compreensão particular e coletiva daqueles que os estuda ou pesquisa, ou seja, o “outro”, o que é exterior. E é assim, com essa parcialidade, que conhecemos a sua principal inquietação: “o problema de Deus”, fato que ele “sempre debatera e ainda agora – já no fim de sua vida – mais debatia consigo mesmo e com os outros”. Pois, José Régio foi um homem religioso que teve muitas dúvidas em relação a Deus e sua existência. Por isso, “o caminho que o autor escolhe é sempre marcado por duas tendências, dois extremos: Deus e o Diabo, a vida religiosa e a vida da boêmia, o creio e o não creio” (PINTO e PINTO, 1985, p. 3). E assim, percebemos o dualismo de seu íntimo.
Segundo um dos irmãos de José Régio, João Maria dos Reis Pereira, pode-se encontrar três fases na vida deste autor: “menino adolescente que aceitava ‘verdades’ familiares e tradicionais”, sendo seu avô e tia guardadores dos costumes religiosos; o “labirinto” onde este precisava “se conciencializar e implicitamente continuar a aceitar ou não verdades”; e a de um “homem verdadeiramente consciente e que confirma a sua crença” (PINTO e PINTO, 1985, p. 4).
Nestas etapas da vida de Régio é possível compreender a ligação deste com a sua religiosidade, fato que compõe o objetivo de sua escrita. O autor aqui mencionado vivia um dualismo em sua vida religiosa e esta foi o objeto central de suas obras; pois como o próprio disse em dois dos seus manifestos (“literatura viva” e “Literatura livresca e literatura viva”) publicados na revista “Presença”, fundada por ele (PAULA, [20--], p. 1):
Literatura viva é aquela em que o artista insuflou a sua própria vida, e que por isso mesmo passa a viver de vida própria. Sendo este artista um homem superior pela sensibilidade, pela inteligência e pela imaginação, a literatura viva que ele produza será superior, inacessível, portanto, às condições do tempo e do espaço. (PAULA, [20--], p.1)
Como o próprio autor afirma acima, ele utilizava os seus conflitos internos, partindo da “sinceridade literária” que ele tanto prezava, para produzir a sua arte escrita (PAULA, [20--], p. 16). E sendo esta original, por partir do íntimo daquele que a escreveu, passa a produzir “vida própria”, tanto para o autor como para sua obra.
Mas só o fato de escrever àquilo que pulsa no interior, aquilo que o incomoda, não faz desta, arte literária e nem deste escritor um produtor de “literatura viva” (PAULA, [20--], p. 1). Para Régio era imprescindível esta “sinceridade”, contudo, esta por si só não bastava (PAULA, [20--], p. 6). Era preciso lapidar esta pedra em estado bruto, com a arte descrita por Fernando Pessoa, e que José Régio invoca: o poeta é um fingidor. E ele se explica e Adna Candido complementa: A dor sentida tem de ser fingida para se tornar expressão artística (PAULA, [20--], p. 4). Era assim que este autor trabalhava e esculpia as suas obras.
Partindo dessa perspectiva foi que Régio publica oito volumes de poesias: Poemas de Deus e do Diabo (1926), Biografia (1929), As Encruzilhadas de Deus (1935-36), Fado (1941), Mas Deus é Grande (1945), A Chaga do Lado (1954), Filho do Homem (1961) e Cântico Suspenso (1968) (PAULA, [20--], p. 8). Não esquecendo, porém, Confissão dum homem religioso e Páginas do diário íntimo, trabalhos estes que foram postumamente publicados (ROMO, 2004, p.1-2). Além de crônicas, romances, ensaios, etc. todos estes escrito por Régio e que partilhavam da mesma temática.
Assim, falar de Régio e seu objeto de escrita não é tão fácil, principalmente pela riqueza de sub temáticas que o autor utiliza para produzir suas obras, mas todas estas estão envoltas no seu tema central que é Deus e o “crer não crendo” no “Absoluto”. José Régio foi um escritor que quis conhecer a fundo sua religiosidade, testar suas crenças, e assim, se conhecer, e foi algo que buscou até o fim de sua vida.
Muito se poderia falar sobre este autor e suas obras, no entanto finalizaremos este ensaio com as palavras do mesmo, que diz:
Se, num certo sentido ou medida, pode o artista enriquecer verdadeiramente a matéria pela forma que lhe dá, lícito será supor-se que uma visão enriquecida dessa matéria é que possibilitou, ou exigiu, uma forma adequadamente rica. Assim voltamos à idéia de que o grande artista é sempre um grande homem– e que para direta ou indiretamente serem expressos exigem recursos expressionais também invulgares, e um invulgar jogo ou uso desses recursos (PAULA, [20--], p.16).
Régio soube fazer muito bem este jogo de elaborar estratégias para as formas físicas de suas obras, e assim, fez com que estas, refletissem o seu íntimo, por isso não é difícil entender como ele foi e é um dos mais celebres autores portugueses. Saber trabalhar com a matéria bruta do seu íntimo e lapidar esta, para fazer uma obra reconhecida por todos, é como ele disse para grandes homens de instintos, sensações, sentimentos, intuições, idéias acima do comum.
Referências
PAULA, Adna Candido de. As Encruzilhadas de Deus: Uma leitura da estética e da religiosidade na poesia de José Régio. [S.l.: s.n.], 20--. Disponível em: http://www.alalite.org/files/chile2008/ponencias/Adna%20Candido%20de%20Paula.pdf. Acesso em: 20 jan 2011.
ROMO, Eduardo Javier Alonso. José Régio visto por ele próprio. Revista letras. Curitiba: UFRP, n°62, p. 97-115, janeiro a abril/2004.
PINTO, Maria Manuela Gomes de Manuela Azevedo; PINTO, António Ventura dos Santos. Crer não crendo: religião e religiosidade em José Régio. [S.l.: s.n.]. Vila do Conde, 1985. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/3084.pdf. Acesso em: 20 jan 2011.